terça-feira, maio 10, 2005

Thomas

Chovia bastante e o manto negro da noite tornou-se ainda mais escuro. Levemente embriagado, Thomas dirigia a toda velocidade em meio aquela forte tempestade. A briga no bar de que fora expulso antes de pegar a estrada lhe deixou com poucos arranhões, mas lhe deixou praticamente cego. Não que tenha sido golpeado nos olhos mas no meio da luta seus óculos foram ao chão e não os conseguiu reaver antes de ser defenestrado do Edgar's Place. Nessas condições não enxergava, literalmente, um palmo à sua frente. Ainda assim não hesitou em pisar fundo no acelerador do seu velho fusca que havia trazido de uma de suas peripécias pelo México. Afinal de contas "melhor atirar-me às trevas que esperar esses malditos me atirarem", pensou Thomas ao ver que seus opositores saíam do bar aos tropeções empunhando, cada um, uma arma maior que a outra. Já de primeira marcha engatada escutou o estampido seco do disparo de uma das armas. O vidro traseiro fora feito em pedaços. O tiro foi para Thomas como aquele tiro que dá o juiz de atletismo ao autorizar a partida dos atletas numa corrida de cem metros rasos. O velho fusca disparou numa velocidade inimaginável. E Thomas mergulhou na escuridão. Guiado pelo descomunal medo que lhe gelava até os ossos, seguia a toda velocidade na estrada totalmente escura e deserta. À medida que avançava, a chuva ia abrandando e as estrelas e a lua começavam a iluminar gradativamente o seu caminho. Não conseguia ver nada ao seu redor, apenas enxergava, com muita dificuldade, a estrada à sua frente. O medo ainda mantinha o seu pé direito com toda força sobre o acelerador. Já não chovia mais quando Thomas avistou duas construções, cada uma margeando um lado da estrada. Nem pensou em parar, mas, há poucos metros de alcançá-las, o velho fusca pôs-se a frear e parou exatamente entre as duas grandes e belas casas. Tentou em vão fazer o carro voltar a andar. Assim que desistiu, as portas das casas abriram-se deixando sair, cada uma, uma pessoa disposta a ajudar. Chegaram juntos a Thomas, e cumprimentaram-no muito cordialmente sem fazê-lo entre si. O da casa da esquerda, mais velho, apresentou-se como Peter, vestia-se de forma bem simples. Talvez sua espessa barba negra fosse para compensar a calvície que lhe tomava quase toda a cabeça. O outro era bem mais elegante. Trajava um terno muito bem alinhado, cabelos grisalhos para trás com alguma espécie de produto que o deixava brilhoso. Lembrava um alto executivo. Apresentou-se como Lucius. Tentaram convencer Thomas a ficar nas suas respectivas casas. Ofereceram mil maravilhas, cada um à sua maneira. Peter ofereceu paz, conforto, harmonia. Lucius quis lhe dar festas, diversão. Thomas argumentou que teria tudo isso na sua própria casa. Eles rebateram suas argumentações mas Thomas não cedeu, pediu apenas que lhe ajudassem a consertar seu velho carro. Os dois então, sem dizer mais nada, voltaram para suas casas e assim que bateram a porta, ao mesmo tempo, o motor do fusca começou a funcionar. Thomas, sem perda de tempo, enfiou-se no carro e pôs-se mais uma vez a acelerar. Agora enxergava com mais clareza e no final daquela estrada que o levou, na escuridão, àquelas duas solitárias casas, enfim alcançou a rodovia que o deixaria em casa. Sua mulher e filhos já deveriam estar preocupados, afinal nunca se atrasara tanto para o jantar e já não tinha idéia de quanto tempo havia estado dirigindo, à ele pareciam intermináveis dias. Quilômetros depois já estava contornando a curva que levava à Allan Street, onde morava. Percebeu muitos carros na rua, o que era bem incomum. Uma fila deles tomavam a frente da sua casa. "Que diabos está acontecendo?". Estacionou o fusca no primeiro espaço que encontrou e saiu em disparada para seu confortável lar. Amigos e parentes consolavam-se nos arredores da casa. Thomas, mais uma vez tomado de aflição, perguntou-lhes o que estava acontecendo, mas ninguém o dava atenção. Entrou na sala e pôde ver com os próprios olhos o motivo de tanta tristeza. Sua mulher e filhos choravam inconsolavelmente, Thomas se aproximou e viu a si mesmo, morto, rodeado de flores, dentro de um caixão.

A Força

O que é a vida?
Uma viagem sem volta, só de ida
Humm, e o que é a morte?
Ah, esta só encara quem é forte
Mas não há força que a vença, ou há!?
Sim há, e quando descobrires tal força,
Enfim te libertará
E de que me libertarei?
Da vida ora, e assim não só irá
Mas também poderá voltar
E em vencendo a morte, o que sucederá?
Isso não sei, pois cá estou em vida
Não conheço o lado de lá
E os fracos, que fazer quando a morte apavora?
Ah pobres coitados, não há nada a fazer
Ela impiedosamente os devora
E onde acho essa força? Onde raios ela está?
Está em você mesmo, mas nunca a busque
Ou jamais a encontrará