quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Relatório de um pseudo-biólogo alcolizado

São 12:17 da madrugada de sábado do mês da festa de momo e aqui estou, diante de um monitor que me mostra uma imagem meio fosca (hoje mesmo comentei com os amigos sobre como ficou bom o “serviço” feito nele quando da sua “queimação”) e sob

uma iluminação precária que vem do banheiro do quarto onde estou já que o maldito bulbo da lâmpada deste agradável recinto teima em não querer incandescer-se, o que me força a teclar de forma lenta este texto que até esta linha não sei de que irá se tratar e muito menos pra que cargas d’água esteja sendo escrito. Já que não tenho um tema definido até então, vou tentar escrever algo de que toda pessoa na minha condição, de homem, no sentido sexual da palavra, têm sempre em mente: mulheres (nesse momento pensei em escrever sobre cerveja, mas é um tema bastante complexo comparado a mulheres e deixo pra outra noite sem sono escrever alguma bobagem sobre este líquido). Como estou meio fraco de mulheres ultimamente (esse meio fraco é em virtude de qualidade e não de quantidade) vou tentar fazer uma análise a partir de fatos e dados observados nas últimas horas como se fosse um daqueles caras (acho que são biólogos, ou naturalistas) que dedicam suas vidas na observação de animais em seu habitat natural para compreender (ou tentar) o modo de vida das criaturas observadas. Então aqui vai o meu relatório.
Hoje mesmo, quero dizer ontem, vi alguns belos exemplares deste incrível ser que é a mulher (incrível se bonita, gostosa e..., gostosa e bonita). Por volta de uma hora da tarde, quando me dirigia com uma disposição colossal à parada de ônibus para enfrentar mais um dia de trabalho escravo (estou trabalhando de graça e espero, sem muita esperança, que os grilhões que apertam meu pulso sejam quebrados até o carnaval) avisto um belo exemplar da subespécie Morenis rabudas. Tive a sorte de poder observá-la em seu melhor ângulo: de costas. O traço característico desta subespécie é que sua região glútea é bastante avantajada e bem delineada o que é uma arma para conseguir um parceiro para o acasalamento.
Passado esse breve momento de observação, chego à parada de ônibus. Aliás, parada de ônibus é um tema bastante rico para mais um desses textos, fica pra depois do da cerveja. Enfim, estou na bendita parada quando chega uma bela senhorita loira da subespécie Hippie xiquis. Na minha opinião (bendito seja o backspace tinha escrito “na minha opinião pessoal”) uma das subespécies mais atraentes de mulheres. Adornada com pulseiras, cordões, brincos, tatuagens e outros balangandans tive a sorte de acompanhá-la no baú que me transportava para o trabalho. Posicionei-me estrategicamente em pé ao lado do assento que ela ocupava de onde podia observá-la de cima pra baixo. Na verdade não vi muita coisa, a posição em que me encontrava facilitava a visualização de tetas, mas a garota não marcava muitos pontos neste item. Podia tentar também dar aquela clássica roçada peniana no braço da menina (lembre-se que ela estava sentada lateralmente a minha frente), só pra não ficar no prejuízo, mas essa prática, comum em ônibus lotado, não era aplicável ao momento. No São Raimundo em que me encontrava tinham poucas pessoas a mais que o número de assentos e não teria como aplicar o migué de que os transeuntes do corredor lotado me empurravam em direção àquele braço, inerte à espera de uma patolada.
Uma velha, sentada à frente do assento da loira desceu e então desisti de observá-la mais. Enquanto esperava que o buzão chegasse ao ponto que eu iria descer pude notar que o cobrador, um senhor do alto de seus 60 anos não parava de observar uma jovem mulher sentada a sua esquerda (no primeiro assento após a borboleta). Pelo ângulo de observação do cobrador cheguei à conclusão, não provada (de onde estava só via os cabelos negros e curtos da mulher), de que a mulher alvejada pelo cobrador se tratava de um exemplar da subespécie Turbinada naturalis. O cara não parava de olhar para a região peitoral da mulher, então deduzi que devia ter um puta par de peitos, o que a coloca na subespécie Turbinada e naturalis pelo fato de estar andando de buzão pois as Turbinadas da família siliconis ,que complementam a subespécie Turbinada, são bem dotadas financeiramente e raramente são encontradas em meios de transporte que favorecem os indivíduos com o gene $ atrofiado. Já quando ia descer, comprovei minha dedução: a mulher, uma senhorita de seus 20 e poucos anos, levanta-se de seu assento e dirigi-se à saída do baú trazendo consigo dois belos e fartos seios.
E então chego ao serviço. No caminho da parada até a sala onde trabalho, diga-se de passagem, povoada somente por homens, só avisto espécimes já fora de uma vida sexual prazerosa ou mesmo possível. Sento na minha confortável cadeira na primeira mesa da sala o que me privilegia como observador de beldades que por ali possam desfilar.
Hoje no serviço trabalhei bastante e não deu pra exercer outra atividade senão programar. Tive apenas um lampejo de apreciação da beleza feminina quando na sala adentra uma bela, belíssima, jovem mulher que não convém agora colocar aqui algum comentário sobre esta apreciação ao custo de ser atribuída a mim a alcunha de traíra.
Ainda teve uma garçonete depois do serviço, mas o sono já chegou e já estou de saco cheio de digitar bobagens no escuro.

07/02/2004

Morte

A morte, que a tantos já fez tombar
Na terra, no mar e no ar
Está sempre a nossa espreita
Nunca falha, sempre perfeita

E não há um só abrigo
Para dela se esconder
Só em um coração amigo
Ë que se vai sobreviver

Talvez um duro tormento
As vezes, fim de um sofrimento
Mas sempre o fim de uma vida

Seja do rico, seja do pobre
Do plebeu ou do nobre
A luz de todos será banida

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Eterno Embate

O Mal tornou-se tão forte que acabou por vencer o Bem. Aprisionou-o nos porões fétidos e sombrios de sua morada de onde o Bem não podia se manifestar. Assim, o Mal triunfou soberano sobre a Terra, após incontáveis anos de conflito, finalmente estava no poder.

Sob seu reinado, os simpatizantes do Bem foram aniquilados, exterminados, caíram todos à sombra da maldade. A legião do Mal estava estabelecida. Com a total derrocada dos benignos, os malignos não tinham mais com quem lutar, ou mesmo, um porquê para lutar. E então tudo ficou em paz. O Mal procurou inimigos, em vão, todos sob seu poder, que era tudo o que existia, lhe eram fiéis e subordinados e não ousavam desafiá-lo. Assim a maldade, razão de ser do Mal, estava em decadência. Não era praticada, e por conseqüência, o poder do Mal ia gradativamente se exaurindo. Sozinho, em sua morada, o Mal, pela primeira vez em sua existência, adormeceu. Ao acordar, não se sabe quanto depois, sentia-se forte novamente, revigorado. Mas não como antes. Não lhe interessava mais a maldade, mas sim, fazer o bem. A ausência de maldade transformara-lhe no Bem, e, por conseqüência, seus subordinados transformaram-se em seres benignos. Lembrou-se do cativo no seu porão, e logo apressou-se em libertá-lo. Ao abrir as portas do asqueroso cativeiro, sentiu um duro golpe da maligna espada que um dia empunhara. O Mal ressurgia das trevas, ávido por vingança.

Sortilégios

O que vou lhes relatar aqui não sei discernir se é real ou imaginário. O que posso afirmar é que tudo o que descreverei nessa breve narrativa está na minha mente como lembrança da noite anterior, não sei se de um sonho, ou se de fatos concretos. Era mais uma noite de sexta na universidade. Nada de anormal, até então. Nesses dias, sempre no início dos semestres, os estudantes promovem festas no campus. Sempre estive presente nas calouradas, como são chamadas tais festas, e, na da noite anterior, algo de muito estranho me aconteceu. Já depois de algumas cervejas, me vi obrigado a ir ao banheiro. Pois bem, rumei para o mictório. Lá não havia ninguém, muito estranho para um banheiro de festa. Quando terminei de jorrar o fétido líquido corporal, uma voz feminina, como jamais ouvira igual, sussurrou por detrás de uma das portas das cabines:
- Já vai ? Que tal vir até aqui, não sabe o que tem a perder.
Olhei assustado para a porta. Mirei o chão abaixo da porta, que, como outras tantas portas de banheiro público, não vão até o chão. Nada, nenhum sinal de pés ali. Ajudado pela cerveja, imaginei a dona da voz em posição sexual sobre o vaso sanitário, a me esperar, e não pensei duas vezes:
- Opa! Só se for agora! – respondi, abrindo a porta.
Para meu espanto, nada, ninguém, apenas um maldito vaso sanitário habitava aquele cubículo imundo. Abri as outras portas, nada. “Acho que já bebi demais” – pensei. E fui saindo, ainda intrigado. Na porta do banheiro surpresa maior me esperava. Um sorriso, ainda mais enigmático que o da Mona Lisa, estampava o rosto de uma belíssima loira, que olhava penetrantemente nos meus olhos. Devia ter uns vinte e pouco anos. Era o tipo de mulher que habita todos os sonhos sexuais masculinos, e talvez até femininos. Trajava uma roupa espantosamente extravagante. Saia preta, digo mini-saia, digo ainda micro-saia, de couro que combinava com a bota que chegava até os seus joelhos. A blusa rosa, com um decote abismal, deixava à mostra boa parte do farto par de seios que carregava. Seus cabelos – loiros, lisos e compridos – pareciam fios de ouro que caíam da sua pequena cabeça.
- Olá, achou que eu tinha ido embora ? – disse ela com a mesma voz que ouvi no banheiro.
- Não..., sim..., é, sei lá, como foi que tu saiu de lá ?
- Isso não importa, o que importa é que estou aqui, a seu bel-prazer – respondeu lançado-me um olhar ainda mais sedutor.
- Égua doido! – exclamei – Deus enfim olhou para mim.
Tentei pegar a sua mão, ela recuou.
- Que foi ? Não era ao meu bel-prazer ?
- Calminha aí, apenas me siga e terá o que deseja – respondeu-me já indo em direção as pessoas que dançavam aquele maldito forró.
- Tá bom então – disse dando de ombros – mas vou logo avisando, não sei dançar isso aí.
- Falei que terá o que deseja, e certamente sei que o que tu queres não é dançar essa droga de música.
- Taí, acho que vou me apaixonar. – o entusiasmo tomava conta de mim – Como é mesmo teu nome ?
- Trilian, pode me chamar assim.
- Trilian!? É nome ou apelido? – perguntei sem pensar.
Enquanto conversávamos sobre nomes e outras abobrinhas percebi que Trilian não chamava atenção de ninguém. Inexplicavelmente as pessoas, principalmente os homens, ignoravam a presença daquele rosto, daquele corpo e ainda daquelas roupas! Impossível, inconcebível, inaceitável.
- Vamos, precisamos andar mais rápido.
- Pra quê a pressa Trilian, a noite é uma criança – ponderei
- Não podem saber que eu não estou em casa.
- Estamos indo para sua casa!? – perguntei serrando as sobrancelhas
- É, digamos que sim – respondeu e continuou andando
- Mas como vamos para lá, tu tens carro? Eu estou de carona.
- Apenas siga-me se vais querer realmente alguma coisa.
E assim foi feito. Fui seguindo-a como faz o urubu à espreita de um moribundo. A música ia ficando cada vez mais baixa, as luzes cada vez mais fracas. Pensei em perguntar para onde raios estávamos indo, mas preferi não arriscar. Seguimos pelo campus, passamos pelo prédio da administração, do banco, até pela biblioteca que já ficava bem distante dos outros prédios e da festa que já não dava sinais de existência. E ela no mesmo passo, apressada, determinada, nem sequer olhava para trás, sua bela anca fazia movimentos hipnotizantes e a esta altura eu já estava sob efeito hipnótico, imaginando por onde começaria o banquete. Olhei ao meu redor e vi que estávamos indo em direção ao prédio de anatomia, depois dele só mais alguns prédios e estaríamos fora do campus. A uma pequena distância do prédio ela enfim virou-se. Tentei me aproximar, ela fez sinal que parasse. Ia falar, pediu-me silêncio e pôs-se a despir-se. Os botões do pequeno tecido rosa que cobria-lhe os seios iam sendo arrancados, um a um, com força e delicadeza. O sexto e derradeiro botão caiu e meus olhos desejaram ser boca, língua. Grandes, mas pequenos, moles, porém duros. Daqueles pequenos orbes róseos mel deveria ser derramado. Percebendo minha intenção de chegar mais perto, ela pediu-me calma, que primeiro deleitaria meus olhos, depois todo o resto. Pediu que eu me sentasse e colocasse as mãos no chão, com as palmas para baixo. Sem entender muito, não hesitei. Ela se aproximou. Minhas pernas, esticadas e juntas ao chão, passaram pelo vão das suas, que caminhavam abertas em minha direção. A centímetros de tocar-me a face com sua genitália parou e pousou as solas das suas longas botas sobre as minhas mãos prendendo-as junto ao chão. Incrivelmente o peso sobre as minhas mãos parecia não existir, mas, ainda que imperceptível, manteve-as no lugar. Começou a rebolar de um jeito de causar inveja a qualquer mulher que faz desse ato um ofício. E subia e descia, e descia e subia. Eu, em êxtase, mudo, enfeitiçado. De súbito, arrancou a saia de uma só vez. Minha reação imediata foi de levar a boca de encontro àquele triângulo dos prazeres. Fui contido pela atenta sola de sua bota que rápido apoiou-se sobre meu peito, e, lentamente, foi levando-me ao chão. Eu deitado, ela em pé, completamente nua, exceto pela bota que atava-me as mãos. Remexeu-se mais um pouco. E então veio o gran finale. Virou-se, ficando de costas, como ainda não tinha feito sem roupas, mas ainda com os pés a me prender, obviamente invertendo os pares pé-mão. E mexia os glúteos de maneira esplendorosamente sensual. Suas nádegas pareciam ter sido “photoshopadas” como fazem com as famosas das revistas, mas, aqui, o photoshoper era Deus, ou o diabo. Mirou-me, com o sorriso marcante no rosto, deu uma piscadela e mandou um beijo. Sem dobrar os joelhos, lentamente foi baixando, de uma das botas, o zíper que ia até a metade de sua perna. Repetiu o espetáculo com a outra bota. Virou-se novamente e, deitando-se sobre mim, sussurrou ao meu ouvido na mais bela e sensual voz que já viajou por esse ar que nos circunda:
- Agora venha e me possua, por favor me possua, não tenha medo.
Não tive tempo de falar nada. Ela levantou, chamou-me gestualmente e correu em direção ao prédio de anatomia, logo em frente. Corri atrás numa velocidade que me daria o recorde dos cem metros rasos facilmente. Mas logo o sonho tornou-se pesadelo. Quando contornei a esquina que ela acabara de dobrar, veio o susto. Um corpo feminino, inerte, pálido, nu, jazia no chão. Olhei ao redor, não a vi. Gritei por ela, nada. Não podia ser ela, não era seu belo corpo ali estendido. Fitei o rosto do cadáver, não era realmente o seu rosto, mas o sorriso, ah o sorriso era inconfundível. Um horror descomunal tomou conta de mim a ponto de fazer-me tombar. Entre o sorriso que me fez inconsciente e a hora que comecei a escrever essa narrativa, nada mais lembro.

* Publicado na antologia de contos BRAINSTORM, pela Editora Andross

Conto de Natal

O muro alto, visto de fora, era muito mais agradável para Remo. Estivera confinado por trás daquela muralha desde o início da puberdade. Agora, já perto dos trinta anos, estava livre. Durante todo o tempo de cárcere pensou nesse dia. Teria de volta a possibilidade de vê-la mais uma vez e isso não lhe deixava os pensamentos. A obsessão doentia, que por ela alimentava, causara-lhe todo aquele tempo de reclusão, e, apesar da aparente sanidade, Remo ainda era, literalmente, louco por ela. Os médicos do hospital psiquiátrico que o juiz lhe designou como morada estavam convencidos de que ele não representava mais perigo algum à sociedade. Dessa forma concederam alta àquele jovem homem de mediana estatura, cabelos negros, olhos pequenos quase sempre escondidos por trás de um óculos de grau acentuado. Sua barba, espessa, mas arrumada, contrastava com os cabelos revoltos que pendiam-lhe da cabeça. O andar, meio desajeitado, dava-lhe um aspecto de quem acabara de beber uma boa dose de um uísque sem gelo. Colocaram-no em um táxi que o conduziu ao albergue Santa Marta, afastado da cidade. Remo já não tinha mais família. Pelo menos assim considerava, unanimemente, seu numeroso conjunto de parentes, dentre eles pais e irmãos. Era 24 de dezembro e o albergue se encontrava todo enfeitado para o Natal. O salão comum estava já com uma mesa pilhada de comida, pronta para a ceia, quando Remo entrou no seu quarto. Tomou um bom banho e arrumou-se com a idéia fixa na cabeça de que a encontraria ainda esta noite. Apesar dos vários protestos de seus futuros amigos do albergue, Remo não passaria ali o Natal. Passaria com ela. Saiu, obstinado, decidido a encontrá-la. Sequer pensou na possibilidade de não encontrá-la o que era bem provável, afinal de contas já haviam se passado anos desde a última vez em que a viu. Mas, ainda assim tinha certeza que a encontraria. Tomou um ônibus, que após cruzar a cidade de uma extremidade a outra, deixou Remo na rua onde ela se encontrava. Já era tarde, e as casas, enfeitadas, abrigavam as festas natalinas. Com o coração mil, Remo avistou a pequena casa onde ela deveria estar. Ainda estava ali, em cima da árvore do quintal de seu antigo lar, a casinha amarela. Não se conteve de excitação. Correu, pulou como um gato por sobre a pequena cerca que rodeava sua antiga casa. Em segundos venceu a escada, pregada ao tronco da árvore, que dava acesso à entrada da casinha. Nada habitava a pequena construção de madeira. Ela não estava mais lá. Remo caiu em desgraça. Gritou, chorou e chorou e gritou. A escuridão da pequena casa o consolou e Remo, arruinado, desceu as escadas, na ânsia de voltar para o albergue onde poderia afogar suas mágoas. Agora passou pelas janelas mais devagar e, sem ser notado, notou a alegria que existia em sua casa de outrora. E ficou ali, a observar seus familiares. Sua mãe, como ainda estava bonita e nova. Seu pai, sempre um beberrão, brindava a cada segundo com seus tios glutões. A irmã, com um filho no colo. Olhou, saudosamente, cada uma das pessoas que ali estavam a se divertir. Juntaram-se todos no meio da sala, em volta de uma caixa abarrotada de presentes. Parecia que alguma espécie de jogo ia começar. Remo, atento, não perdia nada. Alguém pediu uma caneta. Precisavam escrever algo, mas não tinham papel. Então Rômulo, irmão mais novo de Remo, se prontificou a pegar papel no seu quarto. Voltou com um rolo de papel, algo como um pôster. Cada um da grande roda rasgou um pedaço do pôster. A caneta então foi passada de mão em mão onde cada um escrevia alguma coisa no seu pequeno pedaço de papel. As pessoas o faziam com tanta alegria que fizeram até Remo abrir um tímido sorriso. Mas logo foi tomado de uma fúria inenarrável. Tentando ler o que estava escrito no papel de sua avó, que estava perto da janela, a viu. Era ela. Sem dúvida nenhuma era ela. Feita em pedaços. Haviam a feito em pedaços. Sua avó segurava exatamente a sua boca, a parte que Remo mais venerava. Tomado de cólera, ele invadiu a casa, e sem dar tempo de reação para as pessoas que ali se confraternizavam, correu para o armário onde seu pai guardava duas pistolas sempre carregadas. Sem titubear, disparou contra todas as quinze pessoas que se encontravam na sala. Crianças, adultos e idosos. Quando, ainda bebê, Rômulo rasgou um minúsculo pedaço do pôster de seu irmão mais velho e sofrera violentíssimas agressões, mas a sua vida, milagrosamente, foi salva. Dessa vez ninguém se salvou. Remo, revirando os corpos, recolheu os pedaços de papel banhados de sangue. Juntou todos, como um quebra-cabeças. E ali a tinha novamente, linda, bela, sempre a sorrir. No canto inferior direito do pôster podia-se ler em letras douradas: “Marilyn Monroe”.

Desforço

Deseja dizer alguma coisa antes da execução?
- Não matei aquela puta, a Jane armou tudo, aquela desgraçada. Armou tudo e vocês, que se julgam tão espertos, não passam de uns tolos! Juiz idiota aquele, como pode acreditar numa história daquelas onde nem o corpo da miserável foi encontrado?
- Já chega! - interrompeu Stan - já ouvimos o bastante, terminemos logo com isso.

Um dos agentes mergulhou uma esponja em um balde, raso d'água, que estava ao lado da mortífera cadeira. Pousou a esponja encharcada na cabeça do condenado, exatamente na região circular que, horas antes, tinha sido lambida por uma navalha. Finalmente cobriu-a com uma espécie de solidéu metálico atando-o, com tiras de couro, que se entrelaçavam sob o queixo protuberante do infeliz homem. A respiração ofegante por trás do capuz negro que cobria-lhe a face era cada vez mais forte. O agente Stan, que estava no comando ali, acenou para uma cabine que ficava atrás dos familiares e amigos da vítima que acompanhavam a execução. Quando o homem começou a se debater na cadeira, atingido por uma estupenda descarga elétrica, que enfraqueceu até a iluminação, tornando-a intermitente, uma estrondosa e aterrorizante gargalhada ecoou pelos quatro cantos do recinto. Todos levantaram-se, horrorizados, olhavam-se estupefatos, gritos de horror misturaram-se aos gritos de dor do homem que fritava na cadeira e, ainda, àquela gargalhada dos infernos que não cessava, pelo contrário, tornava-se cada vez mais ruidosa, aumentando proporcionalmente ao desespero do condenado e das pessoas que o circundava. Stan, não menos assustado que os outros, ordenou que se cortasse a descarga elétrica e, quase que concomitantemente ao cessar da dor do condenado, um silêncio sepulcral tomou conta do lugar. Todos voltaram a se acomodar, ainda chocados pelo episódio dantesco que acabaram de presenciar. Confirmada a morte do condenado, Stan, solenemente, encerrou a cerimônia. Ao abrir a porta para que todos saíssem, deparou-se com algo escrito na parte exterior da porta: "A vingança é um prato que se come frito. J."